A arquitetura e o urbanismo na América Latina enfrentam desafios complexos e variados, resultantes de questões sociais, ambientais e econômicas profundamente enraizadas. A região, marcada por desigualdades históricas, crescimento populacional acelerado e urbanização desordenada, exige soluções inovadoras que conciliem as demandas habitacionais com a preservação ambiental e o respeito às identidades locais. Nesse cenário, algumas arquitetas têm se destacado ao trazer um olhar aguçado para enfrentar esses desafios.
Com uma abordagem que prioriza inclusão social e qualidade de vida, essas profissionais estão na linha de frente da criação de espaços que respondem às necessidades da população. Ao lidar com questões como a escassez de recursos e os impactos das mudanças climáticas, elas adotam estratégias criativas e resilientes as quais refletem também a cultura e identidade do povo latino-americano.
A seguir, selecionamos quatro entrevistas com arquitetas latino-americanas que compartilham reflexões e estratégias inspiradoras para superar os desafios dessa realidade.
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Tatiana Bilbao é uma arquiteta mexicana, fundadora do Tatiana Bilbao Estudio. Instalado na Cidade do México, o estúdio se concentra em design sustentável e habitação social, com projetos em toda a Europa e China. Bilbao já foi reconhecida com vários prêmios, incluindo o Prêmio Global UNESCO de Arquitetura Sustentável em 2014. Nessa entrevista, a arquiteta ressalta a incorporação da identidade cultural mexicana em seus projetos por meio da adaptabilidade e da resiliência.
Temos essa capacidade de nos reinventarmos com o que existe e com o que nos dão. Não só para nos reinventarmos, mas para inventar, fazer, desfazer e construir um país inteiro com os recursos que temos. A capacidade que este país me deu é muito diferente, a de ser muito criativa com os recursos que tenho, algo que não existe noutros contextos onde há muito mais abundância.
Tainá de Paula: Um novo modelo urbano para outro projeto de sociedade
Tainá de Paula, arquiteta e mobilizadora comunitária em áreas periféricas, é uma ativista das lutas urbanas no Brasil. Ela atuou em diversos projetos de urbanização e habitação popular, realizando assistência técnica para movimentos de luta pela moradia. Na entrevista, Tainá de Paula defende o papel do espaço público na retomada de um outro projeto de sociedade, com reflexões sobre um novo parâmetro urbano que reflita as desigualdades estruturantes, permita rever modelos consolidados e traga experiências locais para essa construção.
O espaço público no Brasil, de forma curiosa, sempre pautou as relações em todas as classes sociais. Desde o Passeio Público no modelo romântico inglês, até a praia e as capoeiras públicas do Rio de Janeiro e Salvador, o Brasil, seja pelo clima, seja pelo interesse em ter vida pública, seja pelas dificuldades estruturantes que colocam boa parte dos moradores de favelas no espaço da rua por conta da baixa qualidade da moradia, tornando necessário um aumento de investimento no espaço público urbano e um retorno a práticas ancestrais dos brasileiros.
Glória Cabral: Tudo começa com a sabedoria de um lugar
Nascida no Brasil e formada no Paraguai, Gloria Cabral possui uma atuação profissional balizada pela compreensão ampla da geografia, cultura e condições sociais de onde projeta, deixando sua marca em edifícios e instalações artísticas construídas em diversas localidades, de Assunção à Veneza. Nessa entrevista, a arquiteta reflete sobre a importância de entender o contexto onde a arquitetura está inserida para gerar soluções criativas e funcionais.
Uma das características da paisagem do Paraguai é que o calor chega a quase 50ºC. Então, minha prática girava em torno de pensar como fazer arquitetura sem depender tanto do ar-condicionado. A pesquisa do Gabinete de Arquitectura tem uma forte ênfase em construir sombras, protegendo-nos do sol — algo que sempre foi muito valioso no Paraguai. O desafio agora é lidar com o calor extremo em lugares que não estão acostumados a essas temperaturas. Tornou-se uma necessidade global.
Julia Peres e Victoria Braga, RUÍNA Arquitetura: A inversão da ordem projetual através da reciclagem de materiais
A RUÍNA Arquitetura é um escritório com sede em São Paulo, Brasil. Por meio das suas duas sócias, a prática busca uma maior consciência socioambiental, criando novas possibilidades para materiais recuperados, reduzindo a quantidade de resíduos de demolição e, com isso, fornecendo materiais de construção com um menor impacto ambiental. Em 2024, o escritório foi selecionado como parte das Melhores Novas Práticas de Arquitetura do ArchDaily. Latente no seu processo projetual, Julia e Victoria nessa entrevista defendem uma mudança de paradigma no contexto de "subdesenvolvimento" para gerar autonomia nos diferentes contextos socioeconômicos.
Assim como no Brasil, grande parte do Sul Global, estigmatizado como "subdesenvolvido", vive uma realidade em que o reaproveitamento não é apenas uma alternativa, mas uma necessidade em resposta às limitações socioeconômicas latentes. As mazelas que atingem nosso país e tantos outros são produto direto do desenvolvimento em escala global, e não sintoma de um suposto subdesenvolvimento. Portanto, a possibilidade de superação desse contexto está em promover mudanças radicais na forma como entendemos o que é desenvolvimento.
Este artigo é parte dos Temas do ArchDaily: Mulheres na arquitetura. Mensalmente, exploramos um tema em profundidade através de artigos, entrevistas, notícias e projetos de arquitetura. Convidamos você a conhecer mais sobre os temas do ArchDaily. E, como sempre, o ArchDaily está aberto a contribuições de nossas leitoras e leitores; se você quiser enviar um artigo ou projeto, entre em contato.